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“Os verdadeiros protagonistas são as pessoas unidas em torno de um objetivo comum”, diz cientista social

As associações de moradores em conjunto com outras formas de organização e participação popular auxiliam para uma sociedade civil mais ativa que pode aprimorar o próprio funcionamento do Estado, segundo acredita o cientista social Michel Moot, um dos responsáveis pelo projeto Amigos da Serra do Itapety. 

Confira abaixo a íntegra da entrevista: 

Quais são as principais motivações para que um grupo se una e criem uma associação?

Michel Mott: A maior motivação para uma iniciativa desse porte seja a vontade de cada um e de todos em mudar uma determinada situação problemática que, sem dúvida alguma, acarreta algum nível de desconforto, mal-estar, sofrimento etc., seja num âmbito objetivo e/ou subjetivo. Sendo assim, uma boa dose de inconformismo e autonomia são ingredientes fundamentais para indivíduos e grupos que buscam, organizadamente, lutar por direitos da cidadania.

José Arraes está na liderança da Associação Amigos do Bairro Mogilar desde sua criação, e é sempre uma figura lembrada por diversos moradores tanto do Mogilar quanto de outros bairros. Qual a importância de um líder dentro de uma associação ou comunidade?

Michel Mott: A figura e a presença de uma liderança é fundamental para o processo de organização. Entretanto, tão importante quanto à existência de um líder, é o tipo de liderança que se exerce num grupo, seja esse numa empresa, numa associação de bairro, numa ONG, num sindicato, entre outros. Quero dizer que o líder, numa perspectiva mais democrática precisa ser um elemento de animação, de mobilização dos afetos e habilidades dos membros do grupo que nunca deve deixar a cargo somente das lideranças as iniciativas coletivas, já que o risco de cooptação e manipulação social é grande, principalmente, por parte daqueles que serão os seus interlocutores. Assim, liderança não quer dizer exclusividade de ação e protagonismo, pois os verdadeiros protagonistas são as pessoas unidas em torno de um objetivo comum, pronunciando em um único som: nós. Na verdade, não conheço pessoalmente o José Arraes, mas, pelo que ouço, acredito que seja um líder mobilizador e democrático.

Uma associação ou ONG é criada porque o Estado não cumpre com sua função e há necessidade de determinada comunidade se unir para superar problemas. Seria possível que essas associações, com uma maior atuação do Poder Público, venham a acabar? E esse Estado presente e atuante é possível que venha a existir no Brasil?

Michel Mott: Vamos colocar as coisas um pouco no lugar. Primeiramente, o Estado não deixou de estar presente e atuante na sociedade, mesmo no apogeu do chamado “neoliberalismo”. Explico: a simples decisão política de ter menos Estado e mais mercado é fruto da correlação de forças econômicas, sociais e políticas num determinado período histórico, ou seja, é uma decisão de Estado. Bem, parece-me que neste exato momento, numa escala praticamente global, há uma tendência muito grande de um maior nível de intervenção e regulamentação estatal em vários âmbitos, principalmente, na economia, o que não quer dizer que será para sempre.

Isso posto, penso que o surgimento e proliferação de ONGs se deu não somente em função de uma atuação menos intensa do Estado naquilo que seria o seu “dever” mas, a meu ver, deu-se também pela própria complexidade que as sociedades contemporâneas apresentam. Nessa direção, acredito que o protagonismo de movimentos organizados e politizados/politizantes são extremamente úteis do ponto-de-vista de uma sociedade civil mais ativa. É claro que no meio dessa proliferação surgiram também inúmeras entidades bem despolitizantes – para dizer o mínimo. Porém, penso que uma maior participação da sociedade civil, juntamente a sociedade política, pode aprimorar o próprio funcionamento do Estado num sentido mais amplo. 

Se existem, quais são os pontos positivos e negativos na existência das associações de bairro?

Michel Mott: Um primeiro e primordial ponto positivo é o exercício de uma cidadania ativa, ou seja, sair daquela postura de “coitadinhos”, para uma atitude de protagonismo social. Um segundo aspecto positivo seria, a meu ver, uma possibilidade menos intensa, porém sempre presente, de manipulação dos interesses individuais e coletivos por outros grupos mais organizados a partir de seus próprios interesses.

Um outro ponto a se destacar positivamente, é uma potencial diminuição do individualismo em detrimento do coletivo – “um por todos e todos por um”. Além disso, os resultados das demandas sociais podem ser mais facilmente obtidos, ou seja, não se trata de favor, mas de conquista de direitos. Em relação aos pontos negativos, sinceramente, não vejo muitos não. Talvez, um deles seja mais um risco inerente a qualquer movimento que se propõe lutar por algo e, que por algum motivo não chega ao seu objetivo, ou seja, esta situação pode trazer um desalento e um descaso cada vez maior, afinal “as coisas nunca vão mudar mesmo...”. Além disso, há o risco de manipulação de lideranças em relação ao grupo a fim de obter benefícios próprios, bem como outras formas de cooptação e manipulação de grupos externos em relação à associação.

É possível traçar um futuro para as Associações e ONGs?

Michel Mott: Em minha opinião, tais organismos da sociedade civil – em nível local, nacional e global – refletem um maior nível de conscientização das pessoas e tendem a interferir cada vez mais no cenário social. O Estado, por seu turno, continuará sendo um agente central no processo social. Aliás, não consigo não associar Sociedade Civil ao Estado. A bem da verdade, concordo com o sociólogo e advogado Liszt Vieira, quando diz que “a democracia está em construção”.

Conte um pouco sobre o Projeto Amigos da Serra que você coordenou.

Michel Mott : Em relação ao Projeto Amigos da Serra, no ano de 2007, a Silvia Regina Cabral (professora do curso de Gestão Ambiental da UMC) e eu, juntamente ao Núcleo de Ciências Sociais Aplicadas da UMC (Universidade de Mogi das Cruzes), implementamos e coordenamos o referido projeto com alguns resultados muito satisfatórios.

Os Amigos da Serra foi um projeto de caráter essencialmente extensionista ligado à problemática da geração de trabalho e renda com responsabilidade ambiental, realizado junto a duas comunidades extremamente vulneráveis do ponto-de-vista sócio-econômico. Houve um apoio de uma empresa local que custeou os lanches e o material didático-pedagógico utilizado pelos membros das comunidades participantes. 

O projeto foi uma experiência muito importante para mim e para a Silvia, sob vários aspectos. Acertamos um pouco, erramos um outro tanto, mas certamente não nos furtamos de encarar a realidade e de tentar melhorá-la. A UMC demonstrou uma postura de responsabilidade social e recebeu duas importantes premiações devido a esta ação social. Chegamos até mesmo a ter o nosso trabalho reconhecido no âmbito da SBPC o que, sem dúvida, nos deu muita alegria.
 

Michel Mott é Mestre em CIÊNCIAS SOCIAIS pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo-PUC/SP (2005). Professor titular da Faculdade de Tecnologia - FATEC e professor auxiliar da Universidade de Mogi das Cruzes - UMC. Desenvolve atividades de pesquisa e extensão universitária junto ao Núcleo de Ciências Sociais Aplicadas da UMC – NCSA É responsável pelo setor de Extensão e Assuntos Comunitários da FATEC/Itaquaquecetuba.